Inspirações Venturas: Yayoi Kusama

Nós, da equipe Studio Venturas, temos dezenas de inspirações artísticas. Explorar a arte, visitar exposições, entender melhor sobre essas mentes brilhantes fazem parte do nosso dia a dia. Decidimos, então, trazer uma inspiração mensal para vocês. Vamos compartilhar mentes únicas com obras maravilhosas. Cada um com a sua história e sua bagagem. 

Nossa primeira escolhida é a Yayoi Kusama. A arte excêntrica dessa artista contemporânea é definitivamente peculiar. Suas obras contêm um mundo de polka dots (bolinhas), que a fizeram distinguir-se de qualquer outro artista. Ela está em todo lugar, com uma fama inegável, então é bem provável que você já tenha visto pelo Instagram fotos dos seus trabalhos ou até tenha visitado uma exposição e visto por si mesmo. Mas que tal conhecer melhor a sua trajetória e suas obras?

Conhecendo a artista e sua arte

Yayoi Kusama nasceu no Japão, em 1929, e ficou conhecida por suas polka dots. Graças a essa paixão, recebeu o apelido de The Princess of Polka Dots (A Princesa das Bolinhas). Todos os seus trabalhos artísticos, desde quadros, a esculturas e a performances, têm uma coisa em comum: bolinhas!

A fixação por polka dots surgiu de uma alucinação que ela teve quando criança: “Um dia eu estava olhando para padrões de flores vermelhas na toalha da mesa e, quando eu olhei para cima, vi o mesmo padrão cobrindo o teto, as janelas e as paredes, e finalmente todo o quarto, meu corpo e o universo”. 

Yayoi Kusama no “Infinity Mirror Room—Phalli’s Field,” 1965.

 “Senti como se tivesse começado a me auto-obliterar, a girar no infinito do tempo sem fim e no absoluto do espaço” 

Inspirada por sua alucinação, ela criou as “Infinity Nets”, uma série de pinturas e esculturas com repetições infinitas de polka dots. E para fazer com que todos se sintam imersos em sua visão e possam ter a experiência de auto-obliteração, Kusama idealizou ambientes com um universo de pontos: os “Infinity Rooms”, com centenas de luzes de LED coloridas e vários espelhos. Os flashes de luz no quarto escuro refletem nos espelhos, transformando aquilo em um espaço aparentemente infinito, e você sente como se fizesse parte da imensidão. Bem psicodélico, né?

Infinity Mirrored Room – The Souls of Millions of Light Years Away.

“Todos nós vivemos no mistério insondável e na infinitude do universo. Buscar a ‘filosofia do universo’ por meio da arte sob tais circunstâncias me levou ao que chamo de ‘repetição estereotipada'”

Sua relação com a arte começou cedo: desde pequena, ela amava desenhar e pintar, mas seus pais não a apoiavam e não queriam que ela seguisse essa carreira. A relação com a mãe era especialmente complicada — ela tomava os desenhos de Kusama e os rasgava. Isso não foi o suficiente para contê-la; sua determinação fez com que ela acabasse convencendo os pais a ir estudar pintura numa escola de arte.

Em 1948, ela saiu de casa para estudar arte japonesa tradicional (nihonga) na Kyoto Municipal School of Arts and Crafts e se formou no ano seguinte. Sua primeira exibição solo aconteceu em fevereiro de 1952 no Shirokiya Department Store, e apareceu como capa da revista Mizue. Depois de três shows solo, o trabalho de Kusama foi incluído na International Watercolor Exhibition: 18th Biennial no Brooklyn Museum de Nova Iorque, em 1955.

Yayoi Kusama, 1939, desenho da sua mãe.

Foi em 1957 que ela se mudou para os Estados Unidos. Sua primeira parada foi Seattle. Escolheu a cidade devido à sua relação com o artista Kenneth Callahan — amante das cartas, ela trocava correspondências com Callahan, que vivia em Seattle e a convidou a ir para lá. 

O próximo destino foi Nova Iorque, em 1958. O lugar era atrativo por motivos óbvios: era lá onde tudo acontecia, principalmente em relação ao mundo artístico. Sua primeira exibição na cidade aconteceu um ano e meio depois de sua chegada, em 1959, no New York’s Brata Gallery, com pinturas branco-no-branco. Ela revelou que sua intenção era que essas pinturas brancas “parecessem uma bomba”.

Ela conheceu e inspirou vários artistas importantes como Donald Judd (com quem, inclusive, teve um relacionamento amoroso), Andy Warhol e Joseph Cornell, e sua arte fez parte de grandes movimentos artísticos como pop art e minimalismo. Georgia O’Keeffe foi sua amiga e mentora, encorajando seu próprio vendedor de artes a comprar vários dos trabalhos dela.

Kusama em seu estúdio em Nova Iorque.

Nos anos 60, começou a fazer arte performática. Em 1966, no 33º Venice Biennale, Kusama instalou o famoso Narcissus Garden. Eram 1500 esferas prateadas cobrindo o chão, e o trabalho causou alvoroço quando ela resolveu vender cada esfera por US$2 — a polícia se envolveu e a forçou a parar. Alguns viram a obra como uma crítica contra o egocentrismo que motiva a compra de arte.

Kusama no Narcissus Garden, em Venice Biennale, 1966.

Sua arte também é política, tendo envolvido-se com lutas sociais: em Nova Iorque, durante a Guerra do Vietnã, a artista orquestrou vários protestos. A Naked Demonstration/Anatomic Explosion aconteceu em 1968 e, nela, dançarinos nus distribuíram declarações anticapitalistas na Bolsa de Valores de Nova Iorque. Naquele mesmo ano, ela organizou uma travessia nua na Brooklyn Bridge — ela escalou a ponte vestida de uma malha de bolinha em protesto contra a guerra e os efeitos danosos do capitalismo. 

Kusama, à esquerda, na “Anatomic Explosion” na Brooklyn Bridge, 1968. Shunk-Kender/Roy Lichtenstein Foundation

Em 1969, foi a vez do Grand Orgy to Awaken the Dead no jardim de esculturas do Museu de Arte Moderna, que se tornou capa do New York Daily News e também trazia ideia de antiguerra e de amor livre, com performantes nus ao lado de obras-primas do modernismo. Nesse trabalho, abordou temas como identidade, sexualidade e o corpo. Ela ainda realizou um casamento gay em 1968, muito antes de ter sido legalizado em Nova Iorque. Kusama fez a cerimônia no centro de Manhattan em 33 Walker Street em sua Igreja da Auto-obliteração.

Até hoje, ela se mostra contra a violência, com trabalhos que reforçam sua posição antiguerra. Sobre a pandemia, ela chegou a comentar: Agora é o momento para as pessoas do mundo todo se posicionarem. Minha maior gratidão é para aqueles que já estão lutando”.

“But Is It Art?” no New York Daily News, em 25 de agosto de 1969 – Grand Orgy to Awaken the Dead.

“Nossa terra é uma polka dot no meio de um milhão de estrelas no cosmos. Polka dots são um caminho para o infinito. Quando nós obliteramos natureza e nossos corpos com polka dots, nós nos tornamos partes da unidade do nosso ambiente”

Yayoi deixou sua marca em diversas áreas. Na indústria da moda e da beleza, ela já se aventurou com a Kusama Fashion Company Ltd., onde criava roupas cobertas de polka dots. Além disso, já colaborou com Marc Jacobs, quando ele era diretor artístico da Louis Vuitton, na Louis Vuitton x Yayoi Kusama Collection, e também com Lacome para fazer um lip gloss em 2013.

Louis Vuitton x Yayoi Kusama Collection, 2012.

Ela também embarcou na escrita, publicando livros como o erótico Kusama’s Orgy e seu romance autobiográfico, Manhattan Suicide Addict, baseado nos seus anos como artista em Nova Iorque. Até recebeu um prêmio de nova escritora no Tenth Literary Award for New Writers (Yasei Jidai Magazine) por seu livro Hustlers Grotto. 

E não para por aí: Kusama escreveu e dirigiu um drama psicodélico chamado Self-Obliteration em 1967. Ela também colaborou com Peter Gabriel — o clipe para a música Lovetown foi baseado em sua arte.

Self-obliteration, Kusama, 1967.

A artista voltou ao Japão em 1973 e, em 1977, resolveu, por escolha própria, se internar no Hospital Seiwa em Shinjuku, em Tóquio, onde vive até hoje. Após seu retorno ao país natal, ela passou por um período de relativo esquecimento, mas ressurgiu durante a Bienal de Veneza de 1993, trinta anos depois de sua primeira apresentação lá.

“Infinity Room” para a Venice Biennale, 1993.

Com tanta gente querendo ver suas exposições em museus e galerias, é óbvio que Yayoi Kusama tem uma fama indiscutível. Seu sucesso se reflete nos valores de suas obras e, por isso, ela tem o título de preços de leilão mais altos de qualquer artista mulher viva. Considerando as mortas, quem ganha esse título é sua mentora Georgia O’Keeffe.

Essa é só uma parte da arte e da trajetória dessa artista que não gosta de associar sua obra a um movimento artístico, preferindo chamá-la de “arte Kusama”. Vale procurar mais e ver tudo de incrível que ela já criou! E, se você gostou desta série, no mês que vem, mais um artista aparece aqui, então fica de olho!

escrito por

artigosrelacionados