Como o design é usado para viciar

Você já se perguntou o que te faz voltar para um site, um aplicativo ou um programa? O que cria a necessidade de consumir algum produto com tanta frequência? 

A gente sabe que a nossa sociedade, nos últimos anos, passou a dedicar horas do dia às redes sociais, como o Instagram, o Twitter e o Facebook. Se você disser que nunca, mesmo cheio de afazeres, resolveu dar aquela procrastinada checando o feed, você provavelmente estará mentindo. 

De tempos em tempos, aparece um novo aplicativo para brigar pela atenção das pessoas, e alguns conseguem manter-se por anos em evidência. Mas por que e como nós somos atraídos por essas redes? Resolvemos reunir alguns dos motivos que podem explicar a psicologia por trás de um design viciante.

1. Usuário no centro das atenções

 

A maioria das pessoas gosta de ser notada e de expressar seus próprios pensamentos e opiniões, e é exatamente por isso que as redes sociais giram em torno de falar sobre si mesmo. Seja por fotos, vídeos ou textos, nós podemos expor tudo sobre nossas vidas: quem nós somos, o que fazemos, do que gostamos. 

Quando nos mostramos tão abertamente para quem quiser ver, esperamos nos sentir validados e acolhidos. É natural para o ser humano buscar aprovação social, é isso que o motiva a se exporQuando o usuário é colocado como o foco do produto, ele se sente importante e respeitado — e quem não gosta de se sentir assim? 

2. Possibilidade de recompensa 

 

A gente acabou de pontuar que a aprovação social é um dos motivos principais pelos quais as pessoas usam tanto as redes sociais. Elas querem sentir que fazem parte de um grupo, que estão sendo aceitas. E como isso é dado a elas?

Os likes são uma forma bem popular de mostrar a alguém que você gostou do que foi postado. Eles são adotados na maioria das redes; sempre tem aquele botãozinho de like para funcionar como seu selo de reconhecimento. Há, também, o retweet (próprio do Twitter), o compartilhamento, os comentários: todas essas são maneiras de premiar alguém pelo seu esforço. 

Acontece que, quando você posta, por exemplo, uma foto, você não sabe como ela será recebida. Surge, então, a ansiedade de saber se as pessoas gostarão ou não dela. É aí que as notificações têm o papel de incitar ainda mais essa curiosidade: a cada notificação, você espera estar ganhando a tão almejada validação. 

A incerteza diante da recompensa em formato de like ou comentário ou outra interação qualquer torna a experiência muito mais intrigante. Nós ficamos realmente animados com essa possibilidade — se você soubesse que com certeza ganharia uma curtida, não teria tanta graça, o legal é conquistá-la!

3. Ambiente familiar

 

Nós usamos as redes para compartilhar momentos especiais de nossas vidas. Nossas viagens, festas, encontros. Usamos também para dividir nossas opiniões sobre determinado assunto, e para criar conexões com outras pessoas. Tudo isso acaba criando um espaço cheio de memórias e, assim, tendemos a nos apegar àquele site e a vê-lo como uma parte da nossa história.

Quantas vezes você pensou em deletar o Facebook, mas lembrou de todas as fotos e mensagens que estão ali? Ou então recordou-se de um amigo com o qual você nem teria mais contato se não fosse por essa rede? E o Twitter, que praticamente documenta sua vida durante anos, com detalhes sobre como você estava se sentindo naquele momento?

O sentimento de familiaridade e a conexão emotiva que criamos com as redes sociais fazem com que continuemos a usá-las. É a sensação de que podemos sempre voltar para olhar recordações que não poderíamos ter de outra forma. Implementar essa ligação entre usuário e produto garante que ele não consiga abandoná-lo facilmente. Quase como se fosse um álbum digital da sua vida, renunciar-lhe seria como abandonar uma parte de si mesmo.

4. Customização

 

As pessoas querem ver o que as interessa. Um dos aspectos mais atrativos de se usar um produto digital é poder consumir os temas que são relevantes para você. Seja no Spotify, onde você quer ouvir os estilos musicais e artistas dos quais você gosta, ou na Netflix, em que você entra sem saber ao certo o que ver e espera ter uma lista de títulos selecionados exclusivamente com base nos filmes e séries assistidos por você. 

Na maioria das redes sociais, você tem como seguir os perfis que desejar. É uma forma de delimitar o conteúdo que aparecerá no seu feed. Dar essa possibilidade de escolha ao usuário faz com que ele se sinta no comando da sua própria conta, permitindo a criação de um universo particular, com todos os seus gostos reunidos em um só lugar.

5. Mecanismos específicos

 

Alguns recursos causam efeitos no cérebro humano que despertam a atenção dos usuários, os levando a usar o produto por mais tempo. 

A gente comentou lá em cima sobre as notificações: elas geram curiosidade, o que provoca uma certa urgência em saber do que elas se tratam. No momento em que nós vemos uma notificação, queremos logo abri-la! E se abrimos, normalmente respondemos, o que, consequentemente, ocasiona outras novas notificações. Reparou no ciclo vicioso? Além disso, as pessoas costumam não gostar de deixar tarefas inacabadas, e o símbolo vermelho da notificação dá a ideia de que temos algo para concluir. 

Outro instrumento é a rolagem infinita. As pessoas perdem horas e horas deslizando, porque não há um fim específico — só você pode decidir quando parar. Assim, você sente que deve continuar vendo todas as postagens enquanto elas seguem aparecendo incessantemente.

Deslizar para baixo para atualizar é também um mecanismo que induz o uso constante. É a mesma lógica por trás da rolagem infinita: você pode deslizar várias vezes para receber novidades o tempo todo. Fica mais fácil para as pessoas terem acesso ao que foi postado por último.

O vício

 

Embora seja importante manter as pessoas interessadas para que elas usem seu produto, uma preocupação não pode ser ignorada: o vício em redes sociais. Nós já abordamos quais artifícios são usados para prender a atenção dos usuários, e agora precisamos refletir sobre os impactos negativos dessa condição psicológica. 

Primeiramente, é preciso entender o que se classifica como vício em redes sociais. Quando alguém perde a maior parte do dia nas redes, extremamente preocupado em estar logado, postando ou acompanhando o que está sendo postado, a ponto de prejudicar suas relações pessoais e profissionais, é bem provável que ele esteja com essa condição. O Future Today Institute até incluiu no seu Tech Trends Report de 2021 a dependência digital como um tema atual relevante, e a gente traduziu para você aqui

A sensação é bastante parecida com o vício em outras substâncias químicas, e os sintomas também são semelhantes. É possível perceber variações de humor, abstinência, conflitos, recaídas. Funciona como dopamina ou jogos de aposta: estudos já demonstraram que os likes, retweets e compartilhamentos, por darem a ideia de recompensa, afetam o cérebro de forma a causar o que outras drogas provocam. É aquilo que nós falamos antes, esses recursos fazem com que voltemos sempre para as redes, em busca de aprovação social. 

Muitas pessoas recorrem às redes sociais para tentar encontrar a validação que elas não têm na vida real, usando-as como uma maneira de lidar com depressão, ansiedade, estresse e solidão. Acontece que o efeito acaba por ser exatamente o contrário do pretendido: em vez de conseguirem resolver suas questões, elas adquirem ainda mais problemas, por ignorarem suas relações reais, responsabilidades profissionais e escolares, e sua saúde mental.

O que também ocorre pelo uso demasiado das redes é o fato de as pessoas se compararem com as outras. É fácil fazer sua vida parecer perfeita numa tela de celular ou de computador, ao escolher cuidadosamente o que será mostrado, mas a realidade pode ser bem diferente. O que isso causa é criar padrões inalcançáveis, simplesmente porque eles não são reais, trazendo mais estresse, ansiedade e depressão. Inclusive, com o intuito de tentar reduzir essa problemática, o Instagram removeu o número de likes.

Lembra da rolagem infinita? O seu criador, Aza Raskin, diz ter se arrependido de sua invenção, por saber que isso contribuiu para que as pessoas passassem ainda mais tempo na internet. Ele fundou uma organização, a Center for Humane Technology, com o objetivo de reimaginar como a sociedade se relaciona com a tecnologia, procurando minimizar os impactos negativos.

Outra preocupação necessária ao criar um produto é não cair em padrões sombrios ou danosos. O Darkpatterns.org traz uma lista desses padrões, que são truques usados para o usuário fazer coisas que não pretendia. Alguns exemplos são: publicidade disfarçada, custos escondidos, spam “amigável”, dentre outros. No site, há até um espaço para dividir suas experiências e denunciá-las.

Com tudo isso, deu para perceber como o desenvolvimento de um produto atrativo é um desafio para o designer. Há a responsabilidade em encontrar o equilíbrio a fim de garantir que o produto será cativante e interessante, mas não induzirá uma relação nociva de vício. A ideia é criar uma experiência prazerosa e saudável para o usuário, para a qual ele retorna por escolha própria, e não por dependência.

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